quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Capitãs e presidentas

Sem entrar no mérito de preferências políticas, temos grande chance de ver, no dia 1º de janeiro de 2011, uma mulher assumir a Presidência da República. Como a chamaremos? Presidente ou presidenta?

A própria campanha de Dilma Rouseff ainda não se decidiu. Confesso que eu também não tenho opinião definitiva sobre o assunto. A questão não é se está ou não no dicionário. O problema é o costume 'machista' do idioma - o mesmo que se manifesta e é aceito na frase Maria, Joana, Patrícia, Fernanda e José saíram cansados da festa.

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp, para os íntimos) registra as duas formas. Caso Dilma vença, negar chamá-la de presidenta alegando ser erro não procede.

A discussão é interessante. Vejamos nas Forças Armadas. Há na caserna quem defenda o uso das patentes exclusivamente no masculino. O Volp reconhece, numa rápida busca, capitã, soldada e marechala.

Vamos combinar que marechala não soa lá muito bonito. Mas e capitã? Dia desses nós nos deparamos com o caso de uma policial militar que se inscreveu no concurso para Rainha do Carnaval. Veio a dúvida de como fazer o título. Como vocês reagiriam a Capitão da PM quer ser musa da folia?

Por outro lado, tenho na ponta da língua um argumento contra patentes no feminino. Como seria no caso de cabo? Caba? Não à toa, não consta do Volp.

Entenderam como é complicado? Causa estranheza. Por que podemos dizer a capitã e somos obrigados a escrever a cabo? Mas se algumas palavras têm correspondentes no feminino, caem os argumentos contra o seu uso. Vão dizer o quê? Que é feio?

O que vocês acham?

sábado, 24 de abril de 2010

Propriedades

Esta semana recebi dois comentários bastante interessantes.

Ambos eram críticas bem fundamentadas e construtivas a este blog.

Gostaria imensamente de ter respondido a cada um prontamente, como rezam as boas maneiras. Mas só agora posso dar a atenção que os dois merecem.

O primeiro a escrever é Valter Luiz, acerca do post sobre incidente e acidente. Ele questiona para o fato de que nossa definição simplificou demasiadamente a diferença.

Ele atenta para o fato de que, no Direito Trabalhista, incidente e acidente trazem outras definições.

O outro comentário partiu de Camila, que com muita propriedade se dispôs a corrigir um post vindo do Formspring.

Não sei onde eu estava, mas o curto parágrafo, sobre usos da palavra escopo, era um amontoado de incorreções.

Ela encerra seu comentário dizendo que não admite que jornalistas, advogados e afins tomem para si a árdua tarefa de compreender a estrutura e o funcionamento da língua por meio de uma gramática normativa qualquer (...)

Embora os comentários tenham sido deixados em posts diferentes, eles têm muito em comum. Temos especialistas em sua área questionando, de um certo modo, a 'autoridade' deste blog em dizer o que é certo e o que é errado.

(E quando o próprio blog erra, tenho de admitir, merece todo puxão de orelha. Uma releitura não faz mal a ninguém)

Eu sou jornalista. Trabalho como revisor e redator — e descobri minha carreira não apenas por gostar de escrever, mas sobretudo por gostar de escrever corretamente. Sempre tive muita atenção ao que seria impresso no dia seguinte.

Não sou formado em Letras. Sigo a tal da gramática normativa qualquer na hora de revisar os textos. Também levo em igual consideração a clareza, a objetividade e principalmente o interesse. De que adianta, num jornal, um texto correto, mas sem interesse?

Ser jornalista dá propriedade para falar de linguagem? Tenho a convicção de que sou ignorante em muitas, muitas questões. Mas sei também que por mim passam muitos erros. O dever de corrigi-los e a obrigação de evitá-los me torna um defensor. Defesa, vamos deixar claro, de um português sem erros, de textos sem algumas pragas. Afinal, embora não seja de Letras e ignore usos do idioma em outras áreas, como o Direito, sempre estudei e sempre estudarei para isso.

Um jornalista não pode ajudar nessa defesa?

Acredito que sim. E sei que posso contar com todos. E é por isso que os dois comentários, tema deste post, me deixaram muito satisfeito.

sábado, 10 de abril de 2010

Tenho travado uma discussão séria com alguns colegas que insistem em substituir abrangência por escopo. Isso decorre de uma tradução mal feita de normas da ABNT e de uma famigerada seita chamada PMI, que traduzem project scope para escopo do projeto.

Creio tratar-se de uma recém-nascida praga das língua. A do inglês que mais me irrita é a contrução 'ele teve a cada invadida'. Essa do escopo nem é tão grave, embora temos sinônimos de sobra para defenestrá-la. Sugiro que continue defendendo a real tradução.

Tem dúvidas de Português?

que curiosidade realitavamente ao verbo polir! :)

É no mínimo interessante. Eu pulo o carro significa saltar sobre ele ou deixá-lo lustroso? As duas coisas... verbos irregulares nos divertem tanto!

Tem dúvidas de Português?

O que você acha de pessoas que dizem "pra mim fazer", "me vê dois pastel e um caldo de cana" etc.?

Não devemos crucificá-las, porque há várias línguas dentro do português, e é pedante exigir que todos respeitem a norma culta o tempo todo. Há situações para ela, e é nelas que devemos nos focar. Corrigir quem fala 'pra mim fazer' é muito bem-vindo, desde que sem tacar pedras. Se pelo menos um de nós defender a norma culta, estaremos conservando-a.

Tem dúvidas de Português?

Procura-se indentificar as pessoas ou procuram-se indentificar as pessoas? Quero saber qual das sentenças está correta e porque? Obrigada

Aqui nós temos uma construção com dois verbos. Substitua 'identificar as pessoas' por 'isso'. Teremos, então, 'Procura-se isso', no singular, como nos manda a regra quando usamos sujeito indeterminado. A coisa seria diferente se no lugar do 'isso' tivéssemos 'identidades'. Aí teríamos voz passiva sintética, e seríamos obrigados a escrever 'Procuram-se identidades'.

Tem dúvidas de Português?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

irá + infinitivo

"O governo irá vistoriar todas as escolas até o fim do ano".

Há algo de errado na frase acima?

Não, mas temos uma praga.

Trata-se do irá + infinitivo, no caso, o irá vistoriar.

Temos bilhões de espécimes dessa praga diariamente por todos os lados. Este blog já cansou de repetir que é contra fundamentalismos e que apenas sugere o bom uso da norma culta. Mas, para algumas ervas daninhas, temos de usar a força.

Existem, basicamente, duas formas para indicar uma ação no futuro.

Uma é a conjugação normal. Eu faço, eu farei.

Outra é a composta. A fórmula nos ensina pegar o verbo ir e o infinitivo do verbo da ação.

Acontece que a forma composta se dá no presente do verbo ir, não no futuro.

Quando escrevemos irá fazer, iremos dormir, irão visitar, estamos, grosso modo, levando a ação ao futuro duas vezes.

Ainda que eu não tenha visto ninguém afirmar que a construção em foco esteja errada, lembro que é muito mais bonito (e correto) escrever vou fazer, vamos dormir, vão visitar.